quinta-feira, dezembro 25, 2008

Não à Dualidade, Sim à Diversidade



Há uns 4 meses eu entrei numa livraria desejando que algum livro me encontrasse e apareceu em minhas mãos o livro "O Homem Duplicado" de José Saramago. Pela sinopse, tratava de um apático professor de história que reconhecia em um filme um ator com a aparência idêntica à sua. Não alguém semelhante, mas um duplicado. Percorrendo as angústias de um homem comum, a narrativa propunha um olhar crítico em relação ao individualismo ocidental e à crise de identidade provocada pela busca incessante da perfeição física. Fiquei completamente seduzida, parecia um livro e tanto... Como eu já havia lido "Ensaio sobre a Cegueira" e havia gostado muito, decidi explorar mais uma obra do autor. Levei o livro para casa. Tentei começar a leitura na primeira noite mas não estava muito empolgada, deixei o livro de lado por semanas. Passei uns 2 meses lendo uma página por dia antes de dormir. Colocava o pijama, sentava na cama, ajustava o despertador, lia uma página, fechava o livro e adormecia. Pela manhã, colocava o livro na estante e só voltava a pegá-lo à noite, 5 minutos antes de dormir. Havia uma única explicação para tal atitude, achei o livro chato. A trama não me causava curiosidade porque parecia que tudo acontecia muito lentamente, e eu não conseguia avançar. Bem, de fato tratava-se de um homem comum, um sobrevivente da pós-modernidade, que parecia bastante entediado com sua vida, sua história, seu trabalho, sua namorada, seus caminhos. E o tédio desse homem era retratado com tal substância que me entediava também. Às voltas com o tormento que lhe causava saber que havia outro de si mesmo, Tertuliano Máximo Afonso (nosso professor de história) chega a se encontrar cara a cara, pêlo a pêlo com o seu duplicado. No entanto, temendo que a curiosidade do outro fosse maior que a sua, Tertuliano decide se afastar e continuar sua vida. Mas a situação só muda porque seu duplo a reverte quando começa a enveredar pela vida do professor da forma mais obstinada e cruel. E a trama ganha o fôlego de um filme de terror. Claro que não tenho a intenção de contar o fim do livro, mas foram nas 100 últimas páginas que eu perdi o sono e não descansei enquanto não terminei a leitura. E posso dizer que fiquei assustada, aliviada e maravilhada. Assustada porque o livro mostra uma das faces do terror que pode ser a condição humana. Aliviada porque o livro valeu à pena. E maravilhada porque passei as últimas 5 horas, após ler o final, tentando ajustar o que Saramago gostaria de nos dizer ao que eu poderia compreender. O que mais me fascina na literatura é justamente isso, a possibilidade de discorrer por vidas possíveis, e seus dramas, e retornar à minha sempre modificada. O que eu finalmente gostaria dizer hoje, além de que vale muito à pena se aventurar nesta ficção, é que a idéia da dualidade ainda é nossa grande perversora, porque nos faz crer oscilarmos entre o “ser” e o “não ser”, provocando uma grande sensação de incompletude, como se o que nos negasse também não pertencesse a nós mesmos. De fato Saramago é brilhante em expor uma das maiores angústias humanas, o medo de que nossa vida seja menos importante do que a do outro, medo que pode nos aprisionar numa relação de busca da felicidade e tédio por não compreender o que encontrou. Talvez seja isso que faça com que tenhamos uma curiosidade perversa diante da vida alheia. E o tédio consigo e a curiosidade com o outro é o que faz com que Tertuliano se perca de si mesmo irremediavelmente. Mas, ao mesmo tempo, é só quando ele se perde de si que ele encontra forças para lutar pelo direito de existir em sua própria condição e não na de outros. E talvez nossa maior redenção ainda seja conseguirmos ser reconhecidos por aqueles que nos amam, mesmo que estejamos escondidos de nós mesmos...