sexta-feira, abril 30, 2010

Espelho, Espelho Meu... Eu Também Sou Teu

Argentina - 2008 - Drama/Comédia
Tenho uma estranha e metódica propensão a lançar o enredo dos filmes ou livros antes de argumentar a respeito de como tal experiência afeta meus sentidos, que na verdade é sempre o propósito do texto. Então vamos lá. Tana e Tenso são casados há alguns anos. Tenso trabalha, Tana não e é retratada como uma mulher intensamente mal-humorada, implicante e anti-social. Tenso quer o divórcio, mas não consegue ser franco e, por isso, contrata um homem para conquistá-la, imaginando que ela possa se apaixonar e, enfim, pedir o divórcio. Tana começa a trabalhar, conhecer pessoas diferentes, encontrando momentos para dividir suas angústias e pensamentos e começa a mudar. Quando Tenso, surpreendendo-se com a mudança da esposa, pensa "enxergar a Tana por quem havia se apaixonado" (nas palavras dele), descobre o quanto a desconhecia. 
Um Namorado para Minha Esposa não tem nada de comédia.

De tantas questões que me passam pela cabeça quando rememoro este fime, duas precisam ser postadas.
Queria falar um pouquinho sobre nossa dificuldade em segurar a onda quando as coisas estão ruins e nos sentimos profundamente frustrados, e a incapacidade de lidarmos com as pessoas que amamos quando estas mostram-se insatisfeitas e vulneráveis. Nos dois casos sobra queixa e medo, falta a troca que faz com que as pessoas permaneçam juntas (o que quer que isso signifique) se amando. Os entendidos em comportamento falam em comunicação. Mas penso que isso seja realmente tão complicado que boa parte das pessoas acaba encontrando compensações na troca de coisas pela inabilidade com as idéias e sentimentos. Para mim, a troca é a que permite que vejamos o outro em sua condição sabendo que enxergá-lo dessa forma - e permitir que ele se mostre -  é o  passo mais honesto, corajoso e generoso que podemos dar.

Tana para mim é maravilhosa. O filme tem lá seus probleminhas, mas Tana me esclarece muitas coisas. Engana-se quem pensa que o seu desabrochar acontece pelo trabalho que encontra (ainda que esse ajude muito a recuperar sua auto-estima) ou pelos papos e eventuais cantadas que leva (que tem tbm o seu papel). O que Tana busca é um espaço para partilhar sua condição, o direito de reconhecer-se sem ter que se sentir anormal ou problemática em sua singularidade, o tempo de que precisa para tomar fôlego para a luta do dia-a-dia.
Me vem à mente a cena de Tana dançando na sala, num singelo momento onde tudo parece estar bem, onde a vida parece fazer sentido...bela cena...

Não salvamos ninguém e não há ninguém para nos salvar. Somos espelhos e reflexos. Só precisamos de um espelho gentil, paciente, leal e muito forte para partilharmos nossa condição simplesmente humana.

Felizmente temos Cenas de um Casamento (1974) e Saraband (2003), de Bergman, para no nosso deleite.


Edward Hopper, Morning Sun, 1951