quinta-feira, dezembro 10, 2009

Costumes, Tendências e Extravagâncias


Almoço dos Remadores de Renoir - 1881


Acho que todos nós temos acompanhado, mais ou menos de perto, com ou sem interesse, a avalanche de discussões a respeito de alimentação. A Alimentação e suas influências sobre a Saúde e a Doença é um assunto que ganhou grande espaço nos últimos anos. Jornais, revistas, programas de TV, livros, principalmente de auto-ajuda, ninguém se cansa de opinar, corrigir, aconselhar, advertir, confundir... Seguindo essa onda de discussões venho também contribuir com o meu blábláblá básico.
Há poucos meses estava na sala de espera de um consultório médico e fui surpreendida pelo tom jocoso da secretária ao ler o título do livro que eu estava carregando "Por que sou gorda, mamãe?", de Cíntia Moscovich. A situação deve ter parecido bastante divertida por dois motivos. Primeiro: o título traz um tom emotivo, meio brincalhão e meio melancólico, mas que sem dúvida lembra os títulos dos livros de auto-ajuda que abarrotam as estantes das grandes livrarias. Segundo: não sou obesa.
"Por que sou gorda mamãe?", longe de se propor a lançar leis universais sobre as relações humanas, o comportamento, os hábitos, o que quer que seja, e definir receitinhas que sem erro possam ajudar o leitor a se auto-ajudar a conquistar uma vida de sucesso, prosperidade e felicidade sem fim; é uma obra delicada que trata da complexidade das relações familiares, sobretudo entre mãe e filha, utilizando como ponto de encontro (e confronto) os momentos à mesa.
Enquanto a protagonista passa por mais uma árdua fase de restrição alimentar, em que se propõe perder mais de 20 kg, vai rememorando situações marcantes junto de sua grande família de origem judaica - que teria chegado ao Brasil após enfrentar duros períodos de guerras.
Em vez de explicar como as pessoas funcionam, ou como as famílias funcionam, esta personagem se aventura na mais importante viagem de sua vida, em busca de suas confissões, medos e frustrações que têm estreita relação com a forma com que foi criada, mas que no fim das contas a tornou o que ela é, o que foi possível ser.
Bem, certa vez um professor meu disse em sala de aula que a busca em perpertuar-se traz ao humano duas grandes sedes (ou fomes): a de alimento e a de sexo. Claro que mais do que uma constatação era uma provocação. Mas não deixa de ser interessante que os melhores momentos em sociedade estejam ligados às relações que estas duas necessidades provocam. E de todo modo, no meio de tudo isso, nossa maior necessidade é de nos comunicarmos com as pessoas e construirmos um mundo de sentido.
Por isso, acho que os encontros entre amigos e familiares pedem a partilha. Partilhar experiências, emoções, onde a partilha da comida (não ousarei estender meu blábláblá a respeito de sexo, ao menos não hoje) é apenas uma desculpa também muito prazerosa...
Essa semana saiu na folha uma matéria que dizia basicamente que se você tem um amigo obeso tem mais de 50% de chance de tornar-se obeso... Esses cientistas... De todo modo acho que essas longas matérias sobre alimentação acrescentam o fato de que o maior problema dos nossos dias está na redução drástica de esforço físico.
Os almoços, cafés da tarde, jantares, encontros nos bares da vida, permanecem necessários para nosso bem-estar social e deleite espiritual. E aí acho que faz menos diferença se a batata é frita ou orgânica e assada com tofu, do que se estamos  nos aproveitando desses momentos para nos alimentarmos sobretudo de idéias e afetos. Isso me parece ser o mais importante! O grave mesmo é quando as comidinhas passam a ser mais interessantes e importantes do que as pessoas com quem vamos compartilhá-las... E triste quando a comunicação deixa de fazer sentido...
Quando comer é um modo de calar sentimentos, impressões, confissões (não digo "se calar" porque sempre que vemos pessoas reunidas ao redor de mesas repletas de alimentos, vemos muita gente falando, o que não quer dizer que estão se comunicando, refletindo, tampouco patilhando)..., algo fica vazio e corremos o risco de tentar preencher esse vazio com comida. Quando deixamos isso acontecer, aí sim estamos fritos...e provavelmente gordos...


Comedores de Batatas de Vincent Van Gogh - 1885

P.S.: leiam o livro da Cíntia, é muito bom!!!

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