domingo, fevereiro 19, 2012

O viajante do mundo e do tempo

Uma das experiências mais complicadas que existe é precisar voltar para casa depois de achar que já havia partido. Tão difícil e dramático quanto partir é retornar.
Partimos ao desconhecido, crendo que estamos abandonando tudo o que era seguro, tudo o que era bom e tudo o que era muito ruim. Pensamos sempre que estamos deixando muitas coisas: uma convivência confusa, e forçada, uma falta de espaço mental, um peso emocional com o qual já não queremos conviver. Abrimos mão credulamente do que acreditamos que seja aconchego, amor, proteção.
E partimos sempre pela mesma razão. Porque independente do que estamos deixando sabemos que não estamos no nosso lugar. Abrimos mão da segurança dos corredores conhecidos de nossas próprias emoções, boas ou ruins, porque acreditamos sinceramente que é um passo necessário para nos tornarmos melhores.
A nova vida, é claro, não é fácil. É dura, cheia de novidades e desafios, mas sempre assombrada por nossas histórias do mundo de donde viemos.
De vez em quando pensamos até em voltar para os braços conhecidos, afetuosos ou não, seguros ou não, porque estar entre sentimentos familiares parece mais fácil. Outras vezes nos regozijamos por ter tido a coragem de correr o risco, principalmente nos momentos em que o risco desperta em nós a deliciosa sensação de coragem.
Poucos sentimentos são tão maravilhosos como a sensação da coragem. A coragem de olhar para frente sem ter a menor ideia do que está ao lado e do que nos espera.
Mas eis que de repente somos chamados de volta, pelas circunstâncias da vida. De volta à nossa terra. É o caso de “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”, de Mia Couto.
Marianinho precisa retornar à ilha de Luar-do-Chão para realizar a cerimônia de enterro de seu avô.
No caminho até a ilha ele sabe bem quem é o avô, a mãe, o pai, os tios. Ele sabe o que é a ilha e é por isso que partiu. Porém, na chegada, no decorrer dos dias, que antecedem a cerimônia, vê diante de si um mundo desconhecido, onde a terra torna-se corpo, o rio converte-se em sangue e cartas tornam-se folhas ao vento fazendo palavras desaparecerem para não darem testemunho de nada.
Andando por estradas ocultas, nosso protagonista crê ter um caso a desvendar. Um achado que não é seu, uma descoberta para os outros. Mas tudo o que ele é capaz de enxergar é o mistério. Não é a ilha um mistério, nem seus habitantes velhos que se tornam novos depois de tantos anos. O mistério é um só. É o mistério de todas as coisas. A morte.
Como a terra abriga o rio e trava com ele uma relação de sobrevivência, assim é o homem, sua terra, seu mundo, com o seu sangue, seu rio, sua alma. Em busca de um lugar no mundo e no tempo.
E a morte talvez seja necessária para nos mostrar que por mais voltas que dermos, por mais lutas que travarmos, por mais que doa, que confunda, por maior que seja nossa sede de justiça, por mais justa que seja a nossa causa, independente de todos os erros e acertos, sempre há uma casa para voltar. Todos voltam para casa. Ninguém foge do tempo.

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