sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Precisamos morrer para nos sentirmos vivos...


Uma coisa é ter um sonho. 

Outra coisa é persegui-lo sem medidas. Acreditando que ele é a única maneira de nos realizar humanamente. Acreditando que através dele silenciaremos todas as grandes perguntas em troca da plenitude de um momento, de um único segundo em que nossa imagem no espelho refletirá numa progressão infinita todas as nossas impossibilidades... Este momento não é Narciso apaixonado por sua idéia de si mesmo. Este momento é a perda de si e do mesmo. 
 Tão necessária e ao mesmo tempo tão pavorosa. E tão trágica como é toda realização. Porque a realização é sempre a realização de algo que quando se realiza não se sabe por que, não se pode voltar, mas por melhor que seja, não se pode ficar.
Quem acredita que encontrou algo por que lutar nesta vida sabe o que significa ter que se dobrar, se curvar, desviar, esticar, e sentir em seus pés a deformidade escondida, provocada pelos giros em torno de seu corpo e suas idéias, pela tentativa de saltar para o mundo. Sabe o que é acordar todos os dias sentindo as dores da inconstância, das dúvidas sobre todos os passos dados e aqueles que ainda quer dar. 
Sente o peso da responsabilidade em suas costas, ombros, braços e cabeça, sabendo que este peso não é só seu. E se há amor, o medo não é apenas de não conseguir dar mais um passo. É também o medo de conseguir. E conseguir. E enfaixar as feridas. E se retorcer, sentir doer, e se encolher um tempo. E tornar a se projetar para além de si mesmo. E conseguir. E ir conseguindo até o passo final: o salto para a profunda escuridão e silêncio.
Cisne Negro não é um filme sobre dança. Muito menos sobre "bem" e "mal". 
Nina não tem lado bom, nem lado ruim. É complexa, com dúvidas, projeções, ansiedades, desejos.  Nina é uma sobrevivente. Não de uma performance de uma companhia de balé, mas de si mesma. E é só por isso, porque ela sobrevive à divisão entre corpo e mente, que a morte é tão necessária. Quem morre não é o lado bom de Nina, não é o Cisne Branco para dar lugar ao Cisne Negro. 

Quem morre é o sonho.


3 comentários:

Olharinfoco Blog disse...

Belíssimo texto! A melhor concepção deste filme que li. De fato, concordo com a idéia de que as leituras estúpidas que buscam enquadrar Nina na chave dicotomica (e positivista)de "bem" e "mal", reduzem uma bela obra a um quadro simplista da garota ingênua que venceu seus bloqueios, como se o indíviduo tivesse alguma prevalência sobre sua condição (que é uma idéia típica do cinema comercial). Você foi na veia da questão ao mostrar que o belo final do filme não implica em uma "vitória" e nem em uma "derrota" da protagonista, mas na morte, que no fundo nada mais é que a clara visão dos limites de nossa agência. A plenitude de Nina ocorre quando, ao final do espetáculo, após ter sido incorporada por aquilo que inicialmente era um mero objeto do desejo(a boa representação e os aplausos do público e do diretor), ela descobre que tornou-se algo além do que desejava,perdendo o controle sobre essa condição e que, justamente por isso, os aplausos do público e do diretor para sua bela representação (o que ela desejava no ínicio), pouco valiam naquele momento, ou melhor, a matavam justamente por espetacularizarem o que havia deixado de ser espetáculo para se tornar uma condição. Ao fim, a arte simulou a contradição trágica da própria vida: evitar se atirar do penhasco em busca do sonho pode significar ressentimento e dor, jogar-se do precipício pode significar desilusão e dor. Mas sem dúvida o filme mostra que matar o sonho, apesar de uma atitude dolorosa, não é algo tão ruim assim. Obrigado pela postagem!

GMS disse...

Oi Gui, obrigada pelo comentário. Prometo postar sempre que puder para continuarmos esses debates!!! Bjs

Cecilia disse...

Lindo, mas doeu até a alma. :)