sábado, outubro 30, 2010

Sweet child o'mine


À Brida...
Se você pudesse escolher, para quem gostaria de estar olhando em sua partida?
Despedidas são tristes assim.
Minha mãe a abraçou forte e chorando copiosamente agradeceu por tantos anos de amor, de companhia, de lealdade. Eu a tomei nos braços e entrei no carro. Fomos para a clínica.
As últimas pessoas que Bi viu foram meu pai e eu. Estávamos lá, acariciando sua cabecinha branca enquanto a veterinária aplicava a anestesia geral. Sua respiração foi ficando lenta. Seus olhinhos, apesar de não desgrudarem de nós um só segundo, ainda que ela já não devesse estar enxergando muita coisa (estava quase cega), foram perdendo o foco, como se olhassem algo que estivesse distante. E ela foi perdendo a consciência, mas ainda dava para ver a barriguinha descendo e subindo, o narizinho soltando um pouquinho de ar, os olhos brilhando...
Depois de aplicada a injeção letal o tempo encolheu. Algo simplesmente escapou de seus olhos. Um brilho foi se desprendendo rapidamente. Esse algo era a vida.
Um mistério sem nome e sem dono pairou e a levou.
Ergui seu corpinho, agora largado, e enrolei numa toalha de banho limpinha. Abracei fortemente seu corpo contra o meu e desejei muito saber para onde ela havia ido.
Entramos no carro, meu pai e eu, e fomos para o terreno onde vamos construir nossa nova casa. Embrulhamos o corpinho dela com um paninho em que ela costumava dormir e colocamos numa caixinha de papelão. Junto de seu rostinho coloquei um quartzo rosa lindo, que guardei por tantos anos, como símbolo de um pedaço do meu coração. Meu pai cavou um buraco no lugar onde será nosso quintal. Colocou a caixinha, e cobriu com a terra. Fomos para casa.
Num futuro próximo, daqui uns 6 meses, vamos plantar uma árvore onde ela foi enterrada. Acredito que plantaremos uma pitangueira. Esta árvore se chamará Brida.
            A vida se esvai e fica um certo alívio, uma gratidão tremenda e a certeza de que alguma coisa vai continuar. Mais misteriosa do que a morte é o amor. A questão é que ela vai continuar, mas de um outro modo. Vai prosseguir pela terra onde vai brotar uma árvore. E vai caminhar pelos seus frutos e pelos corpos daqueles que os comerem. E pelas folhas que caírem no outono e também pelas flores que nascerem na primavera. E meu amor... Meu amor é para sempre. Nosso amor é para sempre e vai viver na saudade plantada no fundo do meu quintal.
            Brida foi um cachorro. Mistura de poodle com pequinês. Veio morar conosco quando tinha só dois meses. Mudou de cidade conosco, fez viagens e muita companhia. Era o xodó da família. Cercada de mimos, mas nunca deixou de ser um cachorro. Passeava na rua, demarcava postes, sacos de lixo, árvores, montes de areia e pneus de todos os carros estacionados no caminho do passeio diário. Tinha medo de fogos de artifício. Adorava suco de caju e peito de frango. Era bastante ciumenta e muito carinhosa com a família. Em seus últimos meses, queria nossa companhia mais do que nunca. E muitas vezes eu me pegava chorando, pensando no dia em que ela não estivesse mais entre nós. Ficávamos quase todos os dias, durante umas duas horas, abraçadas no sofá. Ela ganhava afagos e cheiros e eu ganhava tempo, ganhava memória, ganhava amor. Dei seu último banho nesta terça (26/10). Sabia que seria seu último banho. Dei também seu último gole de água e as últimas bolinhas de ração para cachorros cardíacos.
            Nasceu no dia 08/05/1995. Faleceu no dia 30/10/10, com 15 anos e 6 meses.
Hoje estou me sentindo bem pequenininha. E é bom ter o direito de se sentir pequeninha e chorar tudo o que tem para chorar. Afinal é esse o pacote da vida não? Não quero metade, quero o pacote.
Agora minha pequena está mais espalhada, assim como minhas lágrimas.
Ela era do mundo e agora o mundo é que é seu.
Agora minha pequena está mais livre.
Assim como um dia estarei eu.


5 comentários:

Guilhermo Aderaldo disse...

Que belo texto! E que exemplo de como lidar com a morte meu amor! A Bi deixa saudade sim, sem dúvida, mas deixa antes de mais nada um grande exemplo de vida. Certamente os frutos dessa árvore serão consumidos pelas outras pessoas que passarem por essa família tão linda que é a sua e assim, a Bi estará vivendo em cada um de nós. Você é um ser humano maravilhoso e desejo tudo de melhor para sua vida meu anjo. Conte comigo para o que precisar. Te amo, Gui...

Cecilia disse...

Texto lindo, em uma situação triste a beça. Sem palavras. Força!

GMS disse...

Obrigada pelo apoio! Nossa Bi teve uma vida maravilhosa e tbm precisava descansar, mas a saudade é grande, está em todos os espaços da casa... Dá até pra ouvir os passinhos dela e não raro me pego pensando que ela está no tapete em frente ao meu quarto... beijos!!!

Marcia disse...

Encontrei o endereço de seu blog por acaso e me peguei chorando ao ler esse texto. Você escreve tão bem que sinto como se conhecesse sua cachorrinha. Parabéns pela companheira que tinha e meus pêsames pela ida dela.

GMS disse...

Oi Márcia, obrigada pelo gesto delicado de deixar um recadinho para mim. Embora seja uma experiência muito dolorosa perder alguém que amamos, a certeza de que desfrutamos intensamente desse amor e de que demos o que pudemos acalma um pouco o nosso coração. E a melhor parte é ter memória. Memória para cultivar e reviver os detalhes, o cheiro, a maciez do pelo, o aconchego do abraço, vivo isso todos os dias... com muita saudade e gratidão por ter sido amada, por ter sido escolhida pela Bi. Seja bem-vinda ao Blog!!!